quinta-feira, outubro 19, 2023

é só vermelho

Um choro enrustido habita-me

uma angústia calada aperta-me

escrevo para ver se os dedos deixam fluir as águas paradas

se assim o pulsar dolorido da enxaqueca se esvai

se o tráfico pesado de pensares desemaranha, quizás


O que eu queria hoje era comida pronta

um corpo quente no meu

cafuné de ponta de dedos.


Mas só tinha roupa parada para estender

louça para lavar

absorvente de pano ensanguentado para esfregar


Observo o azul da cor do mar da foto que destaca na parede

compreendo Tim Maia

ansiosa para o sono vir

para poder sonhar

um sonho

todo azul

da cor

do mar


mas o que saí de mim hoje é só vermelho

terça-feira, agosto 02, 2022

Pra começar

Não tive vontade de tirar os lençóis para lavar no dia seguinte. Gostei de deitar e sentir teu cheiro sutil no travesseiro. Eu apreciei esse momento sozinha na noite seguinte. E quis você de novo. Faz um tempo que os restos dos cheiros dos homens na minha cama me repugnam e me deixam um ranço na boca. Mas o seu não. Não quis lavar a roupa de cama no dia seguinte. Eu quis mesmo me cobrir do teu suave cheiro e gozar intensa nas lembranças de ontem.

 






 

sábado, junho 04, 2022

o cheiro do pó

Sabe aqueles 10-15% não superados, aceitos e já sem expectativa de superação? Eles brotam quando a vizinha usa o mesmo sabão em pó que você usava e, no hall da entrada do apê, vez ou outra esse cheiro me atravessa. Me atropela então a lembrança de você chegando na minha casa, preocupado com o cheiro de cozinha que ficava impregnado do seu dia de trabalho. E eu querendo te abraçar de qualquer jeito, com aromas de óleo misturado com cheiro de roupa lavada. Lavar a roupa aliás, era uma constante dos nossos encontros. Na primeira vez que você dormiu aqui, você já perguntou se podia lavar roupa na minha casa. Você sempre estava lavando roupas aqui ou na sua casa. Eu até comprei sabão em pó pra te deixar aqui, já que talvez meus métodos mais ecológicos não dessem conta da gordura do seu trabalho. O relacionamento acabou antes dele. E eu dei graças a deus quando seu sabão, que nem era o mesmo do teu cheiro, acabou. Pois toda vez me lavava de lembranças e lágrimas. Mas céus, ainda teu cheiro transborda no hall de entrada, bem na porta de casa. Vontade de bater na porta da vizinha e dizer moça, troca o sabão, está fazendo mal pro meu coração. O cheiro faz presente a tua ausência. Eu queria mesmo passar uma cândida pra não sobrar nada. Desinfetar a saudade daquele teu abraço engordurado. Fazer desdurar tua falta.

Eu nem sei porque sinto tanto sentimento por você. Apesar e ainda. A pesar, ainda.

sábado, novembro 13, 2021

Desabraço

"Onde se encontra a beleza? Nas grandes coisas que, como as outras, estão condenadas a morrer, ou nas pequenas que, sem nada pretender, sabem incrustar no instante uma preciosa pedrinha de infinito?"

(Muriel Barbery em A Elegância do Ouriço)

 

Eu nunca me senti tão aconchegada em tamanho abraço. Me abarcava por inteira no teu corpo transatlântico. Nele, gostava de estar em silêncio pra sentir os sutis movimentos da tua presença, te degustar os cheiros, texturas e temperaturas. Me esvaia os pensamentos e me trazia certezas, serenas intensidades. Ficava assim feito mamífera buscando pra que mais centímetros do meu corpo ficassem junto aos milímetros do teu. E era fácil, a gente ornava nessa vontade de se grudar. Teu abraço era meu cafofo, aonde eu faria morada infinita. Quando o despertador tocava, aí é que a gente ficava mais de grudinho ainda, como se quisesse esticar o tempo e diminuir a urgência da vida. Pena, nossas vidas não se cabem tão bem quanto nossos abraços.


Ao som de Nick Drake.

"So I'll leave the ways that are making me be
What I really don't want to be
Leave the ways that are making me love
What I really don't want to love"
Time has told me

quarta-feira, novembro 03, 2021

Pitangas

Tava lá no forró. Finalmente forró, primeiro depois da pandemia. Música, dança, diálogos diversos corporais, que anseio por esse momento. Mas senti falta mesmo de nós, de meia no piso de taco, dando risada solta e dançando engraçado na sala escura com a playlist que fiz pra nossa matinê. Sinto falta da intimidade. De você chegar na minha casa apressado pro banho, pra tirar cheiro de cozinha do trabalho, e a gente papear eu sentada na privada enquanto você tá no chuveiro. Dia seguinte, ressaca emocional.

Mas vida segue, vai, espairece, Botar o fone, caminhar até a natação, catar pitangas no caminho. Pois cá nas minhas terras tem pitangueiras, onde cantam os bem-te-vis. E lá no programa de rádio que eu escolhi escutar pela internet, Minha Canção especial Otis Redding, a locutora fala de Cassia Eller. A Sarah Oliveira e você tem a mesma percepção sobre a Cassia. E a Cassia tem uma versão esmirilhante de uma canção do Otis. E eu lembro da gente no carro ouvindo as canções dela que você escolheu, e contando dos seus afetos com elas na tua vida. E eu prestando atenção. Descobrindo uma nova versão da Cassia que você me apresentou, e te adentrando camadas.

Mas vai, espairece, vida segue. Na nadação eu esmirilho feito a Cassia, todo meu fôlego e foco nas braçadas e no deslize das águas. Na volta, mais pitangas e também grumixamas no caminho. Quase esquecendo, passa um fusca azul. Mas não um azul ofuscado. Um azul cor da piscina, brilhoso, recém pintado, chamativo. Sinto falta da tua perna parruda pra dar aquele soco rápido embolado na palavra feliz de quem faz pontos: fuscazul! Aí em casa, vou ouvir o Minha Canção especial Itamar Assumpção. Meu Itamar, de cabeceira pra todas as horas, um artista amigo conselheiro que me preenche a alma. Aqui não há espaço outro pra não eu. Mas aí no programa, a Sarah evoca mais uma vez a Cassia, e eu nunca soube que a Cassia cantava Itamar. Não somente, o filho dela, o Chicão, dá depoimento no programa. Ele também gravou Itamar.

Mas espairece, vida segue, vai. Mais uma tentativa, vou pro especial Neil Young. E esqueci, ato falho quizás, tem a canção Harvest Moon, que te mostrei o clipe uma vez, sobre lua cheia, e sobre o casal que dança junto quando se conhecem, e depois dançam juntos como se fosse a primeira vez, anos depois. Eu chorei quando te mostrei esse clipe, talvez com a possibilidade sonho de ser a gente aquele casal velho dançando como jovens, coisa de gente apaixonada. E lembro também quando te levei pra ver o nascer da lua cheia, e você me levou pudim de leite sabor pistache. E sinto tremenda saudades dessas nossas transcedências cotidianas.

Mas... choro pitangas, tantas quantas as que eu colho e como por aí. Uma hora a safra passa. 

 



 

segunda-feira, novembro 16, 2020

Permanências





No meio das mudanças, as permanências. Aos 28 e aos 33. Me compondo no lar doce lar, em cidades diferentes. Das vezes que morei sozinha. Numa deixava a cabeleira e a casa pra trás pra me embrenhar no mato. Noutra, embrenhando mato na cidade, com a cabeleira acumulada. O mesmo estilo de cadeira no canto junto com as mesmas fotos, a vista pro verde. A mesma blusa que me acompanha há mais de década. E eu tenho baita orgulho de ter roupas decalógas. Registro de pandemia. E dessas idades tão significativas.


quinta-feira, agosto 06, 2020

Fim

Não quero mais brisas soltas que provocam tempestades em mim

Quero respiração tetê-a-tetê que me conforta serena

Quero sopro que me acende obscena

Quero ventania. Intensa. Que atiça amor em mim


Tenho saudade das propostas sutis

Do nhoque da nona que você nunca fez pra mim

Do arroz nepalês com caminhão de tempero

Da volta de bicicleta com pneu cheio


Queria desapaixonar com a mesma facilidade que me apaixono

Com um ou dois dias de sofrência e pronto

Mas sou fogo rasteiro que queima lento

E fico em braseio


Tô cansada de fim antes do começo

Sem meios.

Com cinzas.

E fim.

sábado, agosto 18, 2018

O que você repara no mundo?


O que você repara quando anda por aí? Uma vez, conversando com amigas, percebemos que cada uma reparava mais em alguma coisa. Um reparava nas árvores caídas e tocos largados que poderiam render umas boas peças de madeira. Outra, reparava no que poderia tirar estaca para plantar no canteiro e produzir matéria orgânica para o solo. Eu, reparava no que dava para comer. Cada olhar tinha o radar praquilo que gerava prazer interno. Um adorava construir com madeira, outra fazer agrofloresta, eu encontrar e coletar alimentos enquanto caminhava. Quizás um prazer ancestral de quanto éramos nômades. Coletar, comer, repartir, criar formas diferentes de comer, conservar, fermentar… é tanta coisa que se pode fazer, é tão abundante.

Analisando em retrospecto, esse olhar não é de agora. Quando pequena, assim que chegava no sítio do meu vô, nem passava pela casa, descia direto pro pé de acerola. Ia catando com o maior gosto do mundo, até eu perceber que estava pisando em formigueiros de lavas-pés, quando elas já tinham feito jus ao nome. Segundo dia, os pés com aquelas micro-bolinhas-delícia-de-estourar das picadas, ia olhando para o chão com cautela. Mas logo vinham as próximas férias, e a mesma cena se repetia.

Quando mudei para Campinas, trabalhava no Centro, pegava um ônibus até o terminal e tinha a opção de pegar outro até em casa, ou caminhar um pouco mais de 1km por uma praça longa, com árvores antigas e pés de amora. Usava muito salto na época (trabalhava em banco), mas não pensava duas vezes e já ia afundando salto e tudo pela grama e parava pra catar amora. Nas folgas às vezes ainda me aconchegava em uma das grandes árvores e ficava lendo livro.

A primeira vez que fui para Sorocaba, foi para fazer um processo seletivo. Fiquei pasma de passar pela marginal da cidade, cheia de carros, e ver que no rio, haviam pessoas pescando! Tinha muita árvore, muitos quintais com plantas. Foi o suficiente para eu simpatizar. Não dei atenção a estrutura urbana, se tinha shopping, ou sei lá o quê, quando soube que tinha passado no processo seletivo, fui na imobiliária e disse assim: moço, quero morar perto do trabalho para ir e voltar a pé, então olha para mim algo até um raio de 3km do Sesc.

Sempre gostei de caminhar, justamente para poder reparar nas coisas como nossa percepção foi feita para reparar. Não na velocidade de um carro, nem de tartaruga, nem de cachorro, mas na velocidade humana. Esses dias li um artigo, chamado “Mas de que te serve saber botânica?” que faz uma crítica ao confinamento dos conhecimentos científicos. Entre outras coisas, fala sobre cegueira botânica.

Wandersee e Schussler (2002) criaram o termo e o definiram como a) a incapacidade de reconhecer a importância das plantas na biosfera e no nosso cotidiano; b) a dificuldade em perceber os aspectos estéticos e biológicos exclusivos das plantas; c) achar que as plantas são seres inferiores aos animais, portanto, imerecedores de atenção equivalente.”

Dizia que, se tem lá uma foto de uma savana africana e girafas, e você perguntar para alguém o que tem na foto, provavelmente responderá: girafas. E todas as outras espécies, plantas rasteiras, arbustos, árvores e afins, passam batido, sendo que só existem girafas nesse ambiente porque existem plantas, senão elas não teriam comida. E, não só, tais plantas também são alimentos de elefantes. A acácia africana tem espinhos que, por si só, não são um problema para esses animais. Contudo, nos espinhos habitam formigas agressivas que podem causar forte irritação na mucosa da tromba do elefante, e, tchadãm! Agora sabemos porque nos desenhos animados o elefante tão gigante tem medo de tão pequena formiguinha.

Na neurofisiologia, a justificativa é que o cérebro processa 0,00016% dos dados produzidos nos olhos, “com prioridade para aspectos como movimento, padrões salientes de cores, elementos conhecidos e seres ameaçadores. As plantas são estáticas, não se alimentam de humanos e confundem-se com o cenário de fundo, tendendo a ser ignoradass no processamento cerebral, a não ser que estejam em floração ou frutificação”

Claro que, se vivéssemos na floresta sobrevivendo de extrativismo, a prioridade seria outra. O contexto e fatores culturais importam. Na cidade, associamos a mandioca àquela porçãozinha com cerveja, e não na planta inteira saindo da terra. A vida na cidade nos afastam dos processos e origem das coisas. Você aí já viu um pé de arroz de verdade? Quantas vezes na vida você já comeu arroz? No entanto, capaz de você topar com um pé de arroz e não saber identificar. E feijão sem ser no algodão?

Essa experiência do feijão foi introduzida no ensino por um americano na década de 50, justamente no período de mecanização e urbanização, e se espalhou pelo ocidente com o objetivo de ensinar que: a planta vem da semente. Parece pouco, mas talvez a humanidade tenha passado longos períodos sendo nômade e tenha se espalhado por todos os continentes por não ter essa percepção. Bom, depois que brotou da semente, como cuidar, nutrir, se relacionar com a terra, fica totalmente a revalia. Saber cultivar o próprio alimento, tão essencial, tão negligenciado.

No artigo, diz que meaculpa da cegueira botânica é porque o ensino é chato. Nas escolas, na Universidade, é insonso, muito teórico, desinteressante. Enquanto vida de bicho é mais divertida. Como sabemos, falta estrutura. Para além, falta ir a campo, investigar, observar, interagir. Falta experientações: aprender sobre clorofila e pigmentos fica muito mais legal quando se pega a planta, tira uma cor dela e pinta, do que um quadro explicativo na lousa. Falta relacionar com outras disciplinas: qual a planta que aparece na bandeira do Peru? Quantas histórias indígenas conhecemos sobre a origem do guaraná, da mandioca, da vitória régia? Quais plantas mudaram o rumo da história? Por quê o pau-brasil foi tão saqueado?

Outro fator que considero, é que os meios de transporte nos aceleram, sendo meios, se botam entre nós e o todo, nos afastam. Caminhando há uma percepção muito diferente. Você fica mais livre para olhar, parar, tocar, sentir cheiros, colher, sujar a mão de amora… plantas são essenciais, são o que transformam a energia do Sol em matéria e produzem comida (a.k.a. fotossíntese). Imagina quantas vidas viveriam sem plantas no mundo? Vai fundo e imagina mesmo todo o ciclo. Depois me conta.

E, se acha que estar no mato é muito bucólico, cheio de marasmo, experimenta deitar um pouco na terra ao final da tarde e ficar uns minutos ali. É tanta vida acontecendo, trânsito de seres, os de dia se recolhendo, os da noite dando as caras, nuvens mudando de cor rapidamente, brisa, vento, sons, todo um turbilhão! No entanto, não aprendemos a reparar. Não aprendemos nem a reparar em nós mesmas, a nossos movimentos internos, os ciclos em relação com o meio, as estações, a lua, os alimentos que sentimos vontade em determinadas épocas, as vontades que alternam entre estar no fervo ou em solidão, nosso mar e ondas internas. Pra reparar é preciso silenciar um tanto, prestar atenção a nossa cegueira em relação a nós mesmas.

Esse inverno reparei que estou para dentro, mergulhei em alguns diários antigos, compartilho aqui:




sábado, dezembro 16, 2017

Vem


Às vezes
(Muitas vezes)
Me pego devaneando lá em Plutão
Vigia mental diz:
- Vem, volta pelo menos pra Marte
Plutanando penso
Queria mesmo
Ser Vênus.





quarta-feira, março 08, 2017

Quando quis vir pro mato


“... Ela dizia ‘Quando uma pessoa vive de verdade, todos os outros também vivem.´ E todos os animais, nós incluídos, por meros momentos, voltávamos a ser selvagens.

Ela queria dizer que, quando uma criatura resolve se dedicar a viver do modo mais pleno possível, muitas outras que estiverem por perto se ´deixarão contagiar´. Apesar das barreiras, do confinamento, até mesmo de lesões, se alguém se determinar a superar tudo para viver plenamente, a partir daí outros também o farão, e esses outros incluem filhos, companheiros, amigos, colegas de trabalho, desconhecidos, animais e flores. ‘Quando uma pessoa vive de verdade, todos os outros também vivem.´ Esse é o principal imperativo da mulher sábia. Viver para que outros se inspirem. Viver do nosso próprio jeito vibrante para que outros aprendam conosco.”

Clarissa Pinkola em A Ciranda das Mulheres Sábias

Quando quis vir pro mato, era pra conhecer a origem e o processo das coisas.  Me intrigava o fato de nunca ter visto um pé de arroz, e feijão só no algodão. Arroz e feijão. Tão presentes na vida, todo dia, convivência das antigas  e, ao mesmo tempo, velhos desconhecidos. Como é um pé de arroz? Como é a planta do feijão? Quase passando as 30 primaveras, sem saber algo tão essencial: saber a origem do alimento, saber cultivar o alimento. Desde que comecei a pular de mato em mato, não só conheci pessoalmente essas plantas, mas todo um universo rico de cultivo, preparo, processos, pessoas, sabores e saberes.

Quando quis vir pro mato, era pra vivenciar a lida rural. Sair do campo das ideias, da imagem mítica de se estar na rede por entre flores, borboletas e arco-íris e partir para a prática, pegar em enxada, amassar barro pra construir parede, capinar, processar os alimentos, plantar. Eu, bicho urbano, antes de me jogar no mato, julguei importante experienciar o ritmo de trabalho primeiro, que exige disposição e energia física, para então sentir se eu dou conta da vida no mato, se eu me encaixo na vida no mato. Ando descobrindo que eu gosto mesmo da vida do mato. E de toda a labuta envolvida. Agora, é difícil me ver tocando a vida em meio urbano.

Quando quis vir pro mato, era pra ver a cara do dia, era pra ver a cara da noite. Me frustrava sair da caixa de concreto e ver o Sol já em despedida do dia. Me frustrava ver poucas estrelas pingadas no céu. Aqui, acordo nos primeiros raios que entram pela janela. Vejo o dia despertando em cores rosas. Às vezes dou um mergulho no rio antes do almoço, por vezes tiro um cochilo depois e vez ou outra arranho um violão enquanto espero o Sol suavizar para voltar ao trabalho. Deduzo as horas pelo caminho do Sol e paro quase todo dia pra ver as estrelas abundantes e a Lua, com trilha sonora especial dos bichos e, algumas vezes, efeitos especiais de inúmeros vaga-lumes bem orquestrados, que pirofagiam em sincronia.

Quando quis vir pro mato, era porque me apertava o coração deixar uma cachorrinha de uma colega, que cuidei temporariamente na minha casa, tantas horas sozinha enquanto eu estava no trabalho. Imagina se fosse um filho, e eu tendo que terceirizar o afeto para trabalhar e passar mais de 10 horas diárias longe de uma criaturinha com menos de 6 meses de vida. Não me imaginava criando uma criança na cidade, levando a vida que vivia. Então, porque eu mesma vivia nessa vida tão apartada de mim mesma durante tanto tempo do dia, rotineiramente? Aqui, vejo os pais mais próximos dos filhos, mais bem resolvidos em suas relações, crianças desenvoltas, felizes e saudáveis.  

Quando quis vir pro mato, era pra conhecer mais de Brasil, viajar por Minas Gerais, conhecer a história de outras pessoas, compartilhar a convivência, aprender novos saberes, praticar. Troco trabalho por estadia, alimentação  e aprendizado. Gasto bem pouco, aprendo muito. É interessante notar como a personalidade das pessoas se estende para a paisagem, cada lugar reflete quem o habita. E em cada um, com cada um, uma troca interessante. É bom conviver com pessoas que já traçaram uma história no mato, são vivências que inspiram.

Quando quis vir pro mato, era porque tinha sede pelo novo. Com frequência faço algo pela primeira vez, e me brota uma sensação boa que não sei muito bem verbalizar. Primeiros olhares sobre as paisagens. A primeira árvore plantada. A primeira vez que vi flor de liz, que colhi pimenta rosa na aroeira, que vi transformarem cana em açúcar, goiaba em goiabada (no tacho de cobre, no fogão a lenha). A primeira vez que comi grumixama, taioba, jambo, taboa, caruru, figo fresco, morango silvestre, araçá, jussara, puba, yacon, coisas que nem sei o nome. A primeira vez que fiz um mosaico, que ajudei a montar estrutura de casa, que pisei barro.  Entre várias outras primeiras vezes. Aqui, acompanho processos, sou parte deles. Me sinto mais perto das origens, me sinto mais integrada. 

Aqui, ouvi dizer, pela primeira vez, que felicidade tem a ver com coerência. Estando no mato, sou coerente comigo mesma, como outrora não sentia.



 

sexta-feira, setembro 16, 2016

Diário de bordo ilustrado - Patagônia 2014


Às vezes é mais fácil fazer do que desengavetar. Quase três anos depois...











quarta-feira, agosto 31, 2016

Diário de bordo 1 e 2

23.8.16 - Diário de bordo 1 - Agradecida por cada momentinho de vida. Simplicidade contemplativa, não precisa muitas palavras. Como diria Dorival Caymmi do mar, o mar quando quebra na praia é bonito. É bonito.



31.8.16 - Diário de bordo 2 -  O bom de viajar é se abrir a possibilidades de conhecer não só novas paisagens, mas pessoas que dão um significado todo especial aos lugares e nos fazem percorrer caminhos escondidos ou esquecidos dentro de nós mesmos.

quinta-feira, fevereiro 25, 2016

Seres





domingo, janeiro 31, 2016

O livro preferido


"O que leva na cabeceira da cama
Ali na escrivaninha
Embaixo da janela da alma?"

A parte mais legal de ter sido livreira, além de se perder ao organizar as estantes, hábito que desde a infância eu cultivava nas prateleiras de madeira e tijolos que meu pai bancário havia construído, povoada por livros que minha mãe professora havia trazido, eram as indicações bem acertadas. Como era bom acertar na mosca! Como era bom as pessoas com tempo que iam lá só para papear e pegar umas indicações suas. Em especial, marcou uma amiga queridona que dia desses agradeceu por eu ter apresentado a ela, hoje o que ocupa o lugar de seu livro preferido, O Estrangeiro, do Camus.

Agradeço, por sua vez, a professora que indicou a leitura, será que foi a Betina ou a Maria Luiza? Foi no colegial. Fiquei instigada já na orelha do livro, quando mencionou que The Cure tinha se inspirado nele pra fazer a música Killing an Arab. Bateu a curiosidade, comecei a ler e fiquei tão fascinada, que li durante a aula, de uma vez só. Depois das primeiras páginas, grudei que não consegui parar meus olhos até o chegar ao fim.

Há algo de mágico também quando você encontra pessoas que compartilham do mesmo gosto literário que o seu. Como se rolasse uma empatia imediata. Conheci uma pessoa que tem uma tatuagem inspirada no Mito de Sísifo, achei tão bonito alguém ter esse carinho pelo Camus, que foi simpatia a primeira vista. É esquisito, é como se o autor querido fosse um velho camarada em comum, e a relação entre você e quem gosta dele, é como se fosse entre um amigo de um bom amigo seu.

Engraçado também, como essa preferência muda com o tempo. Hoje em dia, já não sei se o Estrangeiro é o livro preferido. Na época da primeira vez, causou um rebuliço, foi algo tão extraordinário dentro no meu contexto, tão diferente de tudo que eu estava habituada e falava tanto o que eu nunca tinha conseguido verbalizar. Ainda não li outro que tivesse esse efeito tempestuoso. 

Li os cadernos diários do Camus recentemente, e foi uma sensação tão gostosa, como se lesse cartas de um velho amigo. Não mais a sensação de surpresa que te coloca de cabeça pra baixo do avesso, mas algo que se aproxima mais um acarinhar de sensações e afetos, quase como um acolhimento, um reconhecimento humano, um tapinha sincero nas costas, “É... sei como é...”. Foi intenso, mas foi leve ao mesmo tempo, uma leitura cheia de suspiros e sorrisos de canto de boca. Me pergunto como teria sido o efeito da leitura na Thaiza de uns 13 ou 14 anos atrás.

Por fim, o livro preferido de hoje, é um lugar porvir.

domingo, agosto 23, 2015

post-it fílmicos





quinta-feira, julho 09, 2015

Tesoura do desejo



Ele: Vamos entrar
Ela: Não tenho tempo
Ele: O que é que houve?
Ela: O que é que há...
Ele: O que é que houve meu amor,
Você cortou os seus cabelos...
Ela: Foi a tesoura do desejo,
Desejo mesmo de mudar

Alceu Valença

https://www.youtube.com/watch?v=gjvr4agnDIU&list=RDgOdscDPSv7Q&index=11

segunda-feira, junho 15, 2015

segunda-feira, junho 08, 2015

Desapego apegado